VIEUXTEMPS[1]
[1854]
Tão somente quanto uma única experiência iluminadora pode ter o efeito de trazer calor e claridade para períodos inteiros de monotonia diária, consideramos um período rico (na vida artística) quando uma única personalidade imponente quebra a monotonia e a mediocridade. Ele se destaca como uma bandeira da vitória fincada numa pilha de pedras. Poderíamos recordar os eventos musicais das últimas semanas com agradável satisfação, caso eles consistissem de nada além da apresentação de Vieuxtemps.
Ouvi-lo tocar é um dos maiores prazeres (que desafiam qualificação) que a música tem a oferecer. Sua maneira de tocar é infalível tecnicamente e de grande maestria, assim como musicalmente nobre, inspirada e admirável. Eu o considero o primeiro dentre os violinistas contemporâneos. Alguns podem mencionar Joachim, que está no momento na sua melhor fase e que (dizem) ser insuperável na interpretação dos clássicos da literatura do violino. Porém, para alguém que ainda não ouviu Joachim tocar, a existência de um músico melhor do que Vieuxtemps é difícil de imaginar.
Ele é também um dos melhores compositores modernos para seu instrumento. Seus concertos são criativos, graciosos, bem acabados e criados com grande conhecimento técnico, particularmente no que diz respeito à instrumentação. Apesar disso tudo eles não estão a par com exemplos de grande composição instrumental, e um crítico local que equiparasse o Concerto de Vieuxtemps em ré menor com os concertos de Beethoven e Mendelssohn estaria exagerando um pouco. As composições de Vieuxtemps são, contudo, bastante interessantes. Aquilo que é mais impressionante em música sempre envolve um certo distanciamento da simples beleza pura, e tal distanciamento – levados às vezes ao extremo – é encontrado em suas obras.
Suas composições dão uma profunda impressão de invenção . A invenção musical é genuína porém não especialmente rica; o domínio dos meios é incomparavelmente mais notável. Na impressionante exposição do Concerto em ré menor encontramos muitas passagens imaginativas; os temas principais, por outro lado, não sugerem a mesma invenção.
O grande talento de Vieuxtemps tem tido tráfego íntimo com Beethoven, porém ser ter assimilado um grau considerável de firmeza alemã, ao mesmo tempo que é profundamente enraizado no romantismo francês para poder negar os encantos dúbios desta escola. O que distingue Vieuxtemps de seus colegas compositores é sua bem desenvolvida capacidade de pensar em termos da orquestra e sua consistência artística, o que, em obras mais longas, ele permite o desenvolvimento [desta capacidade], mesmo às custas do virtuosismo. Excetuando Spohr[2], ele pode ser considerado o melhor compositor entre os violinistas e o melhor dos violinistas entre os compositores contemporâneos.
Hanslick’s Music Criticisms, Dover 1978, tradução de Clodoaldo Leite Junior, 2006.
[1] Henri Vieuxtemps (1821-81)
[2] Louis (Ludwig) Spohr (1784-1859). Apesar de ser lembrado principalmente como um compositor para o violino, ele foi um dos maiores compositores de ópera de sua geração. Sua obra-prima é Faust (1816).
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